Eles são bem-sucedidos, bons ouvintes e com um repertório de promessas mirabolantes para mulheres economicamente estáveis mas vulneráveis ...
Eles são bem-sucedidos, bons ouvintes e com um repertório de promessas mirabolantes para mulheres economicamente estáveis mas vulneráveis emocionalmente. Entre 2022 e 2023, foram 71 denúncias contra os "golpistas do amor" na capital
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A PCDF quer descobrir outros casos semelhantes a esse, mas esbarra na vergonha e na rejeição de as mulheres denunciarem. Elas ficam constrangidas por se deixarem trapacear por amor ou convencidas de que ali estava o homem da sua vida. Entre 2022 e 2023, foram 71 ocorrências como a de Nilbert, mas os investigadores acreditam que sejam muito mais. Há, por exemplo, a história de um falso bombeiro que deu o golpe em 18 pessoas ao mesmo tempo.
"Com essa história fantasiosa, passam a pedir dinheiro para as vítimas, que, acreditando que estão se relacionando com uma pessoa bem-sucedida, acabam repassando esses valores", afirma o delegado João Guilherme M. Carvalho, da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC). O policial conta que o enredo dos estelionatários não muda e é preciso estar alerta às imagens postadas por esses homens — sempre perfeitas, cercadas de luxo e excessos. "Por exemplo, identificamos a não autenticidade das fotos e atrás desses criminosos há uma constatação de organizações criminosas que incentivam esse tipo de golpe", acrescentou.
O Correio entrou em contato com várias vítimas, mas apenas uma se dispôs a falar, sob a promessa de sigilo. Outras disseram ter medo de usar a internet; uma chegou a pedir o envio da imagem do crachá profissional. Ao final, muito educadas, elas se desculparam, afirmando que ficam constrangidas só de lembrar que foram ingênuas em acreditar em falsos amores.
Mil histórias
Com uma conversa sedutora e muito elegante, Nilbert chegou a lesar uma única mulher em mais de R$ 60 mil. Ele contava várias versões sobre si: investidor da bolsa, espião da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), médico e empresário — quase um 007 brasileiro. O golpista foi preso pela polícia, que descobriu, inclusive, que ele teria planejado a morte do pai para ficar com o seguro de vida, no valor de R$ 400 mil.
Em dezembro de 2023, o cantor sertanejo Wagner Santos de Oliveira, conhecido como Wagner Luno, 42, foi preso por crime de estelionato sentimental. As vítimas tinham entre 30 e 45 anos e boa parte era de mães solo com estabilidade financeira, vindas de outros estados do país e que tivessem chegado ao DF há poucos meses. Para aplicar o golpe, o criminoso criava vários perfis nas redes sociais e em aplicativos de paquera ou encontros. Em seguida, identificava os alvos e, após uma conversa, pedia o número de celular das vítimas. Ao todo, 26 mulheres sofreram o golpe.
Especialista em direito penal, a advogada Jéssica Marques alerta que as mulheres em Brasília são vítimas potenciais desse tipo de estelionatário por causa do elevado poder aquisitivo e da forma como buscam relacionamentos — utilizando a internet. "Como se sabe, é a capital dos concursos públicos, onde há uma concentração maior de mulheres que têm estabilidade financeira, que é o principal foco dos estelionatários", aponta.
O advogado Tiago Oliveira, também especialista em direito penal, alerta sobre os riscos iminentes para as mulheres, em geral. "A alta renda, o elevado grau de escolaridade e a facilidade de acesso ao crédito de muitas mulheres na capital federal as tornam alvos atrativos para golpistas que exploram a confiança estabelecida em relacionamentos amorosos", afirma.
"As mulheres devem ficar desconfiadas ao conhecerem homens muito educados, bem-vestidos, cavalheiros em demasia e que ostentam acima do normal. Eles costumam se mostrar como profissionais liberais, empresários ou investidores, ostentando um estilo de vida luxuoso nas redes sociais para atrair suas vítimas", destacou.
Vítima isolada
Especialista em saúde mental da mulher, a psicóloga Cleidiane de Souza diz que a tática usual dos estelionatários sentimentais é isolar a vítima da família e de pessoas próximas. "Eles buscam atingir o emocional. No primeiro momento, demonstram preocupação com os familiares da vítima, com os filhos, mas depois, querem isolar essa vítima porque, fazendo isso, as tornam mais dependentes emocionalmente. Com o tempo, começam a falar que essas pessoas (família) não a amam o suficiente", detalha a especialista.
Segundo Cleidiane, o isolamento deixa as pessoas mais suscetíveis. "Esse é um fator significativo para esse tipo de situação, porque faz com que as pessoas tenham a necessidade de conexão e companhia, e acabam ignorando sinais de alerta", conta. "Ela pode experimentar uma série de sentimentos negativos, como vergonha, culpa e raiva. A confiança tanto nela mesma quanto nas outras pessoas fica abalada, e ela passa também a duvidar das outras pessoas. A sensação é de traição e desamparo", conclui.
A advogada Jéssica Marques alerta que, ao perceber que caiu em um golpe, a vítima deve buscar preservar seus bens. "Alterar senhas de cartões, e-mails, contas bancárias, cancelar procurações, cartões ou qualquer outro documento que tenha sido repassado, bem como alterar tudo o que foi compartilhado com o golpista", alerta.
Jéssica recomenda que todos os documentos sejam reunidos como prova, fotos, mensagens, ligações telefônicas, recibos, procurações, transações bancárias. "Essas informações são importantes para demonstrar que a relação afetiva existiu e que houve abuso de confiança por parte do golpista. Em seguida, ela deverá registrar um boletim de ocorrência com solicitação expressa de representação contra o golpista e, se necessário, poderá solicitar medidas protetivas", explica a advogada.
Vergonha e desabafo
Mãe de três filhos, aos 54 anos, uma mulher madura, divorciada e de classe média alta não consegue acreditar que foi vítima de um estelionatário sentimental. A aposentada pediu sigilo sobre a identidade dela, mas a história é o enredo conhecido da polícia: ela reencontrou um homem, dos tempos de juventude, que lhe fez promessas e contou histórias mirabolantes.
Em 28 dias, o homem disse que tinha comprado um imóvel para cada filho da mulher, afirmou que iria pagar as contas dela e passou a se apresentar para todos como marido. Só que as histórias não fechavam. Desconfiada, a mulher resolveu investigar, foi à delegacia e soube que se tratava de um homem com vários processos por estelionato e furto.
"A gente conversou uns dois a três meses por mensagem. Ele me mandava fotos antigas dele, mas nunca me ligava por vídeo", contou a mulher. "Ele disse 'quero te ver' e me pediu para buscá-lo no aeroporto", acrescentou ela, lembrando que, dias depois, começaram as atitudes excessivas do homem. Os filhos dela desconfiaram da situação.
"Eu me senti muito culpada de ter acreditado em um cara que eu não via há 20 anos. Eu me senti de mãos atadas. Ele levou meu notebook, onde havia mais de 100 fotos de ipês, que eu tirava e colecionava, fotos com a minha falecida mãe e de viagens que não vou ter mais, além de um livro de crônicas que estava escrevendo e um de poesias que eu estava terminando", relata.
A história agora virou processo judicial. Há uma ação movida pela mulher contra o homem, em que ela pede R$ 5 mil. Mas nem a polícia consegue localizar o golpista que encantou a aposentada e, por pouco, não causou danos ainda maiores. (MS)
Para curar as feridas
Psicólogas consultadas pelo Correio disseram ser possível superar as sequelas causadas pelas frustrações, decepções e, sobretudo, golpes amorosos. Mas é preciso procurar ajuda profissional; do contrário, vencer a dor fica bastante difícil. A psicóloga Cleidiane de Souza ressalta que esses impactos geram diminuição da autoestima e autoconfiança, ansiedade e, até mesmo, depressão e transtorno de estresse pós-traumático.
Especialista em saúde mental feminina, a profissional diz que, normalmente, após uma experiência negativa como a que envolve estelionatários sentimentais, a vítima se torna excessivamente desconfiada e pouco aberta a novos relacionamentos. "É muito importante que essas vítimas recebam ajuda de profissionais, amigos e familiares para se reconstruir emocionalmente."
A psicóloga Mariana Del Monte, doutora em psicologia clínica pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em relacionamentos, diz que a tendência é de que mulheres que passam por esse tipo de experiência se tornarem radicais "indo de 8 a 80".
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