Sabrina Melo, mãe de um estudante vítima de racismo em escola do DF, relatou os insultos ouvidos pelo filho: “Macaco, volta para a senzala...
Sabrina Melo, mãe de um estudante vítima de racismo em escola do DF, relatou os insultos ouvidos pelo filho: “Macaco, volta para a senzala, volta para a África, volta para sua terra."
Com objetivo de falar sobre o racismo nas escolas, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa (CDDHCLP) da Câmara Legislativa do Distrito Federal realizou audiência pública nesta quarta-feira (12). O evento foi conduzido pelo deputado Fábio Felix (Psol), presidente da Comissão e foi marcado por testemunhos impactantes.
Sabrina Melo, mãe de um estudante vítima de racismo em escola do DF, relatou os insultos ouvidos pelo filho. “Macaco, volta para a senzala, volta para a África, volta para sua terra. Foi isso que meu filho ouviu na escola. Há 14 anos, quando eu soube que iria parir uma criança preta, me preparei porque sabia que um dia o racismo chegaria na minha casa dessa forma, pelo meu filho. Mas não imaginei que isso fosse acontecer no ambiente escolar, onde coloco meu filho para aprender, estudar e se tornar um cidadão”, relatou Sabrina.
Segundo ela, a escola particular, localizada na Asa Sul soltou nota, dizendo que acolheu as famílias. Fato que ela negou. “Da escola, não recebemos nenhum acolhimento. Não sei que família eles estão acolhendo. Não fomos acolhidos, meu filho não foi acolhido e não está sendo protegido pela escola, dado que ela mantém o agressor no mesmo ambiente que ele. O agressor falou essas palavras para o meu filho e falou para um outro garoto. Isso deixa claro que não é um problema pessoal. É um problema racial e isso tem que ser tratado, tanto pela escola, quanto pela sociedade, com o peso que isso tem", afirmou Sabrina.
"O racismo mata todos os dias. Mata de uma vez, ou mata aos poucos, vai minando as pessoas. Meu filho tem uma autoestima, que é trabalhada para ele se tornar um menino preto que entenda o papel dele na sociedade. Mas eu preciso que as escolas estejam preparadas para receber crianças como ele e tenham ações efetivas quando o caso de racismo acontece. Não é fazer uma redação e dar três dias de suspensão. Isso não ensina ninguém, só ensina para o agressor que ele pode continuar fazendo a mesma coisa, que a sanção vai ser mínima. A dor está em mim, na minha família e no meu filho que permanece trancado dentro dele mesmo. Ele tem direito ao estudo e à proteção. Tem direito a estar onde quer que ele queira estar. Não é a cor da pele dele que vai servir como limitador”, sentenciou a mãe.
Ela concluiu, afirmando que espera justiça. “Particularmente, como mãe de um filho agredido, eu espero que a justiça seja feita para o caso dele. Que ele não tenha mais que conviver com o agressor no mesmo ambiente e que nenhum outro adolescente ou criança sejam obrigados a permanecer no mesmo ambiente do seu agressor. Não vamos recuar. E como disse Vinicius Júnior essa semana, espero que os racistas voltem a ter vergonha de serem o que são. Que guardem todo o rancor dentro deles e voltem para os buracos de onde saíram porque nós não vamos recuar”, exclamou Sabrina.
O dirigente do Coletivo Juntos e ex-diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Luis Felipe Silva Rodrigues, também fez seu relato e disse que o racismo não pode continuar. “A gente não pode aceitar que as marcas deixadas pelo racismo em nossa sociedade continuem se proliferando. Não dá para combater o racismo, sem combater a desigualdade social. Eu já sofri racismo dentro da escola e não é uma coisa que deveria ser habitual e normalizada. Admiro os estudantes que têm coragem de denunciar, algo que à época eu não tive. O racismo mata e deixa marcas”, testemunhou o jovem.
Segundo Felix, nos últimos anos a Comissão de Direitos Humanos tem recebido uma série de denúncias de racismo em vários contextos, inclusive na escola. “São muitas denúncias e a gente encaminha a maioria delas para o Ministério Público e para a delegacia especializada, a Decrin. A Comissão tem sido muito acessada, tanto para acolhimento às famílias que são vítimas, quanto pelas instituições onde o racismo ocorre. O primeiro passo é a prevenção com a discussão de conteúdos na escola que possam gerar uma cultura antirracista e sem tolerância a esse tipo de violência”, afirmou o parlamentar.
Felix também registrou que “a criança e o adolescente no Brasil, pela legislação, são responsabilidade compartilhada entre a família, a sociedade e o Estado, então é preciso falar sobre racismo na escola porque eles não podem ser vítimas de racismo na escola, uma violência que traz consequências predatórias para a vida inteira”.
Além disso, o parlamentar também recordou que apresentou na Câmara Legislativa proposições sobre o tema, por exemplo, o PL 1.104/2024, que institui a política de combate ao racismo nas competições desportivas escolares. “Precisamos de protocolo pragmático sobre o assunto porque às vezes as escolas não sabem lidar e são mais de oitocentas escolas, contando com a rede credenciada, [e mais] as particulares”, disse Felix.
A pró-reitora de Extensão e Cultura do Instituto Federal de Brasília, Diene Tavares, disse que falar de racismo no ambiente escolar é falar de democracia e de resistência. “A construção de uma política antirracista para a educação brasileira é essencial para a promoção da equidade em uma sociedade atravessada por desigualdades estruturais, históricas e de exclusão”, assegurou a professora doutora. Ela reforçou: “é inaceitável que o racismo ainda seja tão presente em todas as esferas da sociedade brasileira”. E completou, dizendo que “atitudes racistas devem ser combatidas principalmente nas instituições de ensino públicas e privadas”.
“Hoje, vemos uma foto, mas quando olhamos o filme, vemos que na verdade [as violações] são fatos que acontecem no cotidiano dos alunos negros. O assunto é urgente. O MP entende que a pauta deve se tornar uma agenda pública, federal e distrital. Não é uma pauta de direita ou de esquerda. Precisamos trabalhar em conjunto. Tivemos reuniões com a Secretaria de Educação, que já sinalizou positivamente para a concretização de um protocolo para introdução dessa pauta nas escolas e para usá-los nas escolas particulares. É uma ação que vai acontecer neste ano de 2024”, asseverou a representante do MPDFT.
Por sua vez, a socióloga e coordenadora da Rede Emancipa, um curso preparatório para o vestibular localizado em Planaltina, Tarsila Amoras, contou que recentemente os estudantes escolheram como tema de debate “o racismo científico e o racismo contemporâneo”.
A delegada Ângela Maria dos Santos da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin) disse que dentro da Polícia Civil a Decrin é o espaço mais capacitado para fazer esse primeiro atendimento com a vítima. “Não podemos dar o atendimento à investigação com relação ao adolescente infrator, mas podemos atender a vítima ou os pais, no primeiro momento, importante para se sentir acolhido. Acredito na prevenção e fazemos esse trabalho com o Decrin vai às escolas”, afirmou a delegada. Ela explicou que nos casos em que o infrator é uma criança ou um adolescente, a investigação é realizada por outra delegacia especializada.
Agência CLDF
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