Advogado, professor e magistrado, o ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence é definido como um intelectual completo por amigos e adm...
Advogado, professor e magistrado, o ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence é definido como um intelectual completo por amigos e admiradores. Autoridades lamentaram a morte do jurista, que será velado hoje no Supremo
É certo que onde faltar a democracia não há Justiça que mereça o nome. Também é verdade que não haverá democracia verdadeira onde faltar tribunais independentes para, quando o impuserem a Constituição e as leis, contrariar as injunções da maioria política da conjuntura do dia", discursou Pertence em sua posse como presidente do STF, em 17 de maio de 1995.
O trecho do discurso circulou em todas as redes sociais ontem e destacado pelo ex-deputado Miro Teixeira como a "lição" deixada por Pertence. Hoje, a partir das 10h, Miro e uma legião de amigos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inclusive, estarão no Supremo para as despedidas de Sepúlveda, falecido na madrugada de ontem, no hospital Sírio Libanês, em Brasília, de falência múltipla de órgãos, aos 85 anos. Ele estava internado desde 19 de junho. Deixou três filhos: Pedro, Evandro e Eduardo. À tarde, 16h30, será enterrado na Ala dos Pioneiros do cemitério Campo da Esperança.
Natural de Sabará, Minas Gerais, onde se formou em direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1960, Pertence era o último de sua geração de advogados com formação de esquerda, como, Vitor Nunes Leal, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal a quem Sepúlveda tratava de "irmão", e José Gerardo Grossi, ambos falecidos. No grupo, embora fosse mais novo, muitos incluem ainda o ex-deputado Sigmaringa Seixas, também já falecido, que recusou por duas vezes o convite para integrar o STF. Todos dedicaram sua carreira aos movimentos em defesa da democracia, desde os tempos mais severos da ditadura militar.
Como todos eles, Sepúlveda Pertence também sofreu reflexos do governo militar, quando, depois de ser aprovado em primeiro lugar para o Ministério Público do Distrito Federal, em 1963, terminou "aposentado" pelo AI-5, em 1969. Mais tarde, seria advogado de Lula nos anos 1980, quando das greves no ABC e, recentemente, nos processos da Operação Lava-Jato. Deixou o caso em 2018, por discordâncias com o advogado Cristiano Zanin, futuro ministro do Supremo.
As diferenças com a defesa de Lula não acabaram com a amizade de longa data entre Pertence e o chefe do Executivo. Na diplomação do petista, em dezembro do ano passado, o presidente eleito fez questão de ir até a cadeira onde Pertence estava sentado, ao lado dos ex-ministros Francisco Rezek e Carlos Mário Velloso, para lhe dar um afetuoso abraço. Ontem, o petista escreveu em suas redes sociais: "Pertence foi um dos maiores juristas da história do Brasil. Sempre atuou pela defesa da democraia e pelo Estado de Direito, como advogado e também como ministro do Supremo Tribunal Federal. Por isso, era respeitado por todos. Tive o privilégio de ter em Sepúlveda um amigo e também um grande advogado".
"Ele sempre esteve do lado certo da história", diz o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro. Kakay relembra o famoso encontro dos idos de 1983, quando Sepúlveda, no posto de integrante do Conselho Federal da OAB, manteve o I Encontro de Advogados do DF, contrariando a decisão do então general Newton Cruz, que colocara Brasília em estado de Emergência e proibira reuniões na cidade. No dia seguinte, a sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi cercada pela polícia, e os advogados, de braços dados, caminharam até o pátio, entoando o hino nacional. As forças de segurança recuaram.
Dois anos depois, Sepúlveda se tornaria procurador-geral da República. No STF, onde ficou de maio de 1989, indicado pelo então presidente José Sarney, até a aposentadoria, em 2007, virou referência em muitas decisões e tem o nome invariavelmente citado nos votos de ministros. Ele já havia trabalhado no Supremo, como secretário jurídico do ministro Evandro Lins e Silva, entre 1965 e 1967. Sua larga experiência jurídica e formação política terminaram por levá-lo à comissão de juristas que elaborou a base do que seria a Constituição de 1988.
Hoje, seus votos no STF são objeto de consulta frequente dos atuais ministros. Aliás, foi num habeas corpus da sua lavra que se instituiu a separação das instâncias administrativa e penal em caso de crimes tributários. Atualmente, só depois que se esgota a instância administrativa é que se tem o processo penal para esses casos. Em nota, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, citou Sepúlveda como uma "presença marcante e simbólica no dia a dia da Corte e ao longo dos anos. Grande defensor da democracia, notável na atuação em todos os campos a que se dedicou, deixa uma lacuna imensa e grande tristeza no coraçào de todos nós".
Sepúlveda Pertence também se tornou referência na Justiça Eleitoral. No primeiro período em que presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o país testou a urna eletrônica. Foram cinco urnas, no segundo turno da eleição para governador em Santa Catarina. Sepúlveda foi acompanhar o teste de perto e afirmou que, para acabar de vez com as fraudes nas eleições era necessário informatizar o voto, declarações que voltaram a ecoar nos últimos tempos, em que a urna esteve sob forte ataque.
Místico e musical
A posse de Sepúlveda no Supremo Tribunal Federal foi um capítulo à parte na história do Tribunal. O jantar no Clube do Exército jamais foi esquecido pelos presentes, porque, lá estava o "Homem do Rá", como era conhecido o paranormal Thomas Green Morton, famoso por entortar talheres e "energizar" os ambientes.
A esposa de Pertence, Suely, apoiadora das causas e da carreira do marido, levou Green Morton para energizar não só o Supremo, mas também o TSE, quando o marido assumiu a Presidência das duas casas. Afinal, nada como as boas energias para auxiliar nas boas causas. Bem-humorado, porém, reservado, Sepúlveda Pertence encontrava tempo para confraternizações e jantares com amigos. A casa do advogado Eduardo Ferrão, amigo de longa data, foi palco de vários churrascos onde o cardápio jurídico e a Bossa Nova se misturavam.
As boas causas, entretanto, provocaram algumas descargas elétricas entre Executivo e Judiciário, por exemplo, a edição de medidas provisórias. Quando Sepúlveda deixou a presidência da Suprema Corte, em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso tentou buscar uma trégua com o sucessor, o ministro Celso de Mello. Fernando Henrique queria uma convivência mais harmoniosa. Outro embate de Sepúlveda se deu já no governo da presidente Dilma Rousseff, quando ele deixou a comissão de ética da Presidência da República, porque o governo não quis renovar o mandato de dois integrantes.
No governo Sarney, porém, a Casa não tinha tantas diferenças com o Poder Executivo. Em nota, o ex-presidente, que indicou Sepúlveda Pertence para o STF, afirma que perdeu não só um jurista brilhante, mas um amigo: "Perde o Brasil um dos maiores juristas de sua história, um dos maiores magistrados que já passaram pelo Supremo Tribunal Federal, o consolidador do Ministério Público Federal, o brilhante advogado, o defensor do Direito; perdemos eu, minha mulher, minha família, um amigo de longos anos, uma extraordinária criatura humana, o observador arguto da vida pública, o intelectual completo, o caráter sem jaça, o exemplo de integridade moral", escreveu José Sarney. (Colaborou Ingrid Soares)
Momentos históricos no comando do TSE
Considerado um dos grandes juristas brasileiros, Sepúlveda Pertence dedicou a vida ao Direito. Passou 18 anos no Supremo Tribunal Federal, ocupando a presidência entre 1993 e 1994. Aposentado da Corte desde 2007, ele vinha exercendo a advocacia. Foi também ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o qual comandou por duas vezes. Além disso, ocupou o cargo de procurador-Geral da República entre 1985 e 1989.
Ministros da atual composição do STF manifestaram suas condolências por meio de seus perfis oficiais no Twitter. “Atuou na resistência à ditadura e na reconstrução democrática que resultou na CF de 1988. Foi brilhante como PGR e como ministro do STF, onde com muito orgulho fui seu colega. Muito me pesa seu falecimento”, escreveu o decano do Supremo, Gilmar Mendes.
“Ele também possibilitou a criação de uma base que permitiu a implementação do voto eletrônico no país, nos anos que se seguiram. Pertence foi responsável por criar uma rede nacional da Justiça Eleitoral, que permitiu transmitir a alguns centros regionais as apurações de cada seção, de cada município. Em 1994, fez-se, na gestão do ministro Sepúlveda Pertence, pela primeira vez, a totalização das eleições gerais pelo computador central, no TSE.”
Alexandre de Moraes concluiu que a “Justiça brasileira é testemunha da competência, da grandiosidade, do brilhantismo e do ser humano admirável que foi o ministro Sepúlveda Pertence. Em nome da Justiça Eleitoral, manifesto meu profundo sentimento de pesar e solidariedade à família e aos amigos”.
Exemplo
Já o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que Pertence foi um dos “maiores que já passaram pelo STF”. “Brilhante, íntegro e adorável, influenciou gerações de juristas brasileiros com sua cultura, patriotismo e desprendimento. Fará imensa falta a todos nós”, registrou.
O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também se manifestou. Segundo ele, a carreira do ex-ministro foi marcada pela “integridade e defesa intransigente da democracia”. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que “por onde passou — na banca, na PGR e tribunais superiores — sua atuação foi impecável na defesa dos direitos do cidadão. Atuava de acordo com os autos, imune a pressões. Meus sentimentos à família e aos amigos”.
Biografia notável como jurista, advogado e procurador
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil afirmou que a morte do advogado e ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence é “uma perda inestimável para o mundo jurídico”. O presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti, destacou que “como advogado e como ministro, (Pertence) pautou sua atuação pelo diálogo e pela defesa do Estado Democrático de Direito. Será também lembrado como um defensor incansável do livre exercício da advocacia e do respeito às prerrogativas da classe”.
Para o ex-presidente nacional da OAB Reginaldo de Castro, Sepúlveda “foi um dos inesquecíveis juízes brasileiros”. “Tive o prazer e a honra de ter sido seu aluno, correligionário nas campanhas políticas da OAB, colega de profissão, jurisdicionado, enfim amigo por mais 60 anos. Foi um homem admirável. Vá em paz amigo.”
Ophir Cavalcanti, que também esteve à frente da OAB, afirmou que Pertence foi “uma referência de amor ao direito e a justiça parte. Que Deus cuide de sua alma”.
O presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Sydney Limeira Sanches, referiu-se também a Sepúlveda Pertence, membro da entidade desde abril de 2011. No IAB, Pertence fazia parte da Comissão de Direito Constitucional. Lembrou que ele foi “estadista, jurista, defensor intransigível das liberdades e com papel central no processo de redemocratização do país”, além de “responsável pela estruturação do Ministério Público e por brilhantes julgados em sua combativa trajetória no STF, que contribuíram para a construção da democracia brasileira”.
Em 5 de agosto de 2019, na sessão solene em comemoração aos 176 anos do IAB, o ministro recebeu a mais importante comenda do instituto, a Medalha Teixeira de Freitas, que distingue aqueles que deram contribuição inestimável ao direito e à Justiça.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) também lamentou o falecimento de Sepúlveda, que integrou o MPDFT e “contribuiu significativamente para a construção da história da instituição, tornando-se um exemplo para todos”. Ele ingressou na Casa em 1963, após aprovação em primeiro lugar no concurso público para membro em setembro daquele ano. No MPDFT, recebeu a matrícula de nº 001 e exerceu o cargo até outubro de 1969, quando foi afastado pela Junta Militar, com base no Ato Institucional nº 5 (DOU, 16/10/1969. Seção I, Parte I, p. 8767).
“O MPDFT se solidariza com a família e amigos neste momento de dor e presta suas homenagens a um dos mais importantes juristas brasileiros da história”, afirmou a instituição.
Unanimidade
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes, destacou que Pertence foi um “homem honrado, modelo e inspiração para várias gerações de juristas comprometidos com a defesa dos direitos fundamentais em nosso país”. Ele apontou que o magistrado “foi o grande artífice do novo Ministério Público brasileiro, introduzido com a Constituição de 1988, e militou incansavelmente pela restauração da democracia e do Estado de Direito em nosso país”.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), por meio do presidente, desembargador Cruz Macedo, também manifestou pesar pelo falecimento de Pertence. “O magistrado era tido como uma unanimidade no meio jurídico, influenciou gerações de juristas brasileiros com sua notável atuação em todos os campos a que se dedicou como advogado, procurador-geral, ministro e presidente do STF, o mais alto cargo do Judiciário brasileiro, no qual permaneceu até 20 de maio de 1997.”
Macedo recordou que o ministro “foi justamente homenageado, pela Corte brasiliense, ao batizar o principal auditório do TJDFT com o seu nome”.
Com informações do CB
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