Os impactos negativos dos agrotóxicos vêm chamando a atenção em todo o mundo, mas no Brasil eles se apresentam mais preocupantes, não só p...
Os impactos negativos dos agrotóxicos vêm chamando a atenção em todo o mundo, mas no Brasil eles se apresentam mais preocupantes, não só por sua extensão territorial, mas, principalmente, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos já banidos em outros países
Em 26 de maio, o Supremo Tribunal Federal, julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.137/2019, de autoria da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), proferiu decisão histórica com repercussões positivas para a saúde, o meio ambiente e a economia. Na Adin, a autora pretendia a declaração de inconstitucionalidade da Lei 16.820, de 9/1/2019, (Lei Zé Maria do Tomé), de autoria do deputado estadual Renato Roseno (Psol-CE), apresentada pelos deputados Elmano de Freitas (PT) e Joaquim Noronha (PRP), que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos no estado do Ceará. Entendia a autora da ação que aquela unidade federativa não tinha competência para legislar sobre o tema da pulverização aérea e contrariava o direito à livre iniciativa.
A defesa do estado de Ceará foi fundamentada em disposições constitucionais que estabelecem competência às unidades da Federação (estados e municípios) para legislarem de forma concorrente, mormente quando se busca ampliar a proteção à vida, ao meio ambiente e em favor da sustentabilidade. Além de apresentar dados científicos e toxicológicos a respeito dos riscos dos agrotóxicos, o estado do Ceará levou aos autos fatos e documentos técnicos, que demonstravam a existência de danos à saúde, ao meio ambiente e à coletividade de uma forma geral, produzidos pelos agrotóxicos, principalmente pela prática da pulverização aérea.
Na decisão, ao identificar a existência de conflitos entre direitos fundamentais envolvendo o direito à livre iniciativa, o direito à vida e ao meio ambiente saudável, seguindo o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, o STF reconheceu, à unanimidade, a competência do estado do Ceará para legislar sobre o tema, em síntese, nos seguintes termos:
"Na norma questionada foram sopesados o direito à livre iniciativa com a defesa do meio ambiente e a proteção da saúde humana. Determinou-se restrição razoável e proporcional às técnicas de aplicação de pesticidas no Ceará, proibindo a pulverização aérea em razão dos riscos ambientais e de intoxicação dela decorrentes, sem, entretanto, impedir por completo a utilização dos agrotóxicos".
Os impactos negativos dos agrotóxicos vêm chamando a atenção em todo o mundo, mas no Brasil eles se apresentam mais preocupantes, não só por sua extensão territorial, por tratar-se de um dos maiores produtores de grãos, mas, principalmente, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos já banidos em outros países, o afrouxamento do sistema regulatório, a falta de controle e de fiscalização, e a utilização de modalidade de aplicação mais agressiva, como é o caso da pulverização de área por aviões ou outros equipamentos aéreos. Registre-se que tal prática está proibida no bloco europeu (admite-se excepcionalmente).
Com o surgimento, em 2001, do primeiro Fórum Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos em Pernambuco (hoje já são 30), o tema dos agrotóxicos, como foi o do tabaco e do amianto, passou a ser debatido e enfrentado, valendo-se de ações resolutivas, preventivas e em rede de articulação, com a participação do Ministério Público (os três ramos — MPT, MPF e MP estaduais), órgãos de governos (federal, estaduais e municipais), universidades, organizações da sociedade civil, sindicatos, federações e movimentos sociais.
No caso do Ceará não foi diferente. A ideia de uma lei que proibisse a pulverização aérea no estado teve seu embrião na região da Chapada do Apodi, especificamente no município de Limoeiro do Norte (Lei Municipal Zé Maria do Tomé), ecoou nos movimentos sociais e de trabalhadores da região, foi regada, articulada e impulsionada no âmbito do Fórum Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos do Ceará e seus parceiros, principalmente a Universidade Federal do Ceará, (Núcleo Tramas), a Fiocruz, entre outros.
Assim, não se tem dúvidas de que a Lei 16.820, de 9.1.2019, a primeira lei estadual a proibir a pulverização aérea em um estado da Federação, foi resultado de uma articulação em rede, na qual o Poder Legislativo estadual, entendendo o clamor social e os danos causados à saúde e ao meio ambiente, tomou as providências constitucionais para tutelar valores e bens envolvidos.
Estamos certos de que a histórica decisão do STF beneficiará também o setor econômico, livrando produtores nacionais de sofrerem futuros embargos comerciais, como já mencionado no contexto europeu (Atlas dos agrotóxicos — Fundação Heinrich Böll, Alemanha; Atlas da geografia dos agrotóxicos no Brasil — Larissa Bombardi), onde movimentos sociais e de consumidores já criticam a forma como o Brasil pratica a pulverização aérea na produção de grãos e alimentos que depois chegam às mesas dos europeus.
Aos demais estados cabe refletir sobre o tema e seguir o exemplo do Ceará, saindo em defesa da vida, do meio ambiente e da sustentabilidade. Será de bom tom parafrasear e repetir o refrão: Pulverização de agrotóxicos por avião… "no Ceará não tem disso não".
*PEDRO LUIZ GONÇALVES SERAFIM DA SILVA, subprocurador-geral do Trabalho, é coordenador geral do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos e do GT Agrotóxicos do MPT
Com informações do CB
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