A URP é paga aos servidores da UnB há mais de 30 anos e representa mais de um quarto do salário dos técnicos-administrativos - Foto: Andre...
Os servidores técnico-administrativos da Universidade de Brasília (UnB) foram surpreendidos, nesta quarta-feira (24), com uma decisão que pode reduzir em 26,05% o salário da categoria. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes decidiu cassar a liminar MS 28819/DF, que garante o pagamento da Unidade de Referência de Preços (URP) aos servidores da ativa e aposentados.
A parcela, que representa mais de um quarto do salário dos técnicos-administrativos, é paga há mais de 30 anos. A categoria afirma que a suspensão do pagamento impacta de forma profunda a segurança financeira dos trabalhadores.
“Os servidores técnico-administrativos da UnB recebem a URP há mais de 30 anos, fazendo parte do seu salário e da manutenção da sua própria vida, com a aquisição de alimentos, vestuário, remédios, pagamento de plano de saúde e aluguéis”, explica Edmilson Lima, coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (SINTFUB).
Em protesto à decisão, os servidores realizaram, ontem (25), um ato na Reitoria da UnB e seguiram mobilizados caminhando pelo Instituto Central de Ciências (ICC) até a praça Chico Mendes.
Uma assembleia geral da categoria está marcada para segunda-feira (29), às 8h30, na praça Chico Mendes.
“Está na pauta, sim, a possibilidade da entrada em greve, mas naturalmente será avaliado pelos servidores presentes na assembleia geral de segunda-feira”, afirma o coordenador da SINTFUB.
URP
A Unidade de Referência de Preços (URP) é um indexador econômico, criado em 1987, para corrigir preços e salários em relação à taxa de inflação. Em 1989, com a criação do Plano Verão, a URP foi extinta, provocando uma perda salarial significativa para várias categorias do serviço público. O então reitor da UnB, professor Antonio Ibañez, garantiu o pagamento dos 26,05% apoiado no estatuto da autonomia universitária.
Anos depois, o Tribunal de Contas da União (TCU) passou a determinar que a UnB realizasse o corte do pagamento dessa parcela. Em 2011, a ministra do STF Cármen Lúcia, em resposta ao Mandado de Segurança n.º 28.819/DF ajuizado pelo SINTFUB, decidiu por garantir a continuidade do pagamento mensal da URP aos servidores da UnB. Na quarta-feira (24), porém, o ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática, cassou a liminar concedida pela ministra e suspendeu o pagamento.
A assessoria jurídica do SINTFUB informou que entrará com recurso contra a decisão.
“O ministro Gilmar Mendes fez o julgamento de forma monocrática, não submeteu a turma nem ao plenário, e proferiu uma decisão revogando a liminar e também dizendo que os servidores não têm direito, não concedendo a segurança no processo, julgando-o improcedente. Enquanto Assessoria Jurídica estamos elaborando os recursos cabíveis para entrar no Supremo Tribunal Federal”, explica Valmir Andrade, assessor jurídico do Sindicato.
Dois pesos, duas medidas
A decisão do ministro Gilmar Mendes que suspendeu o pagamento da URP para os servidores técnicos da UnB também foi criticada pelo professor de Ciência Política da UnB e coordenador do Demodê (Grupo de Pesquisa sobre Democracia e desigualdades), Luis Felipe Miguel.
Segundo ele, a decisão demonstra como o ministro atua de maneira diferente a depender do “peso” das pessoas envolvidas.
Na semana passada, Gilmar Mendes votou por não eliminar a aposentadoria integral e vitalícia dos ex-governadores do Paraná, que havia sido extinta em 2019, por não considerar correto retirar “vantagem pecuniária de quem a recebia há muitos anos, de boa fé, e contava com ela na organização de sua vida”, conforme explicou o professor. A aposentadoria corresponde a um valor mensal de R$ 30 mil.
Alguns dias depois, o mesmo ministro julgou correto determinar o fim do pagamento da URP para os servidores técnicos da UnB, que integram uma das carreiras com menores vencimentos do serviço público.
“São milhares de servidores universitários, reconhecidamente uma das categorias pior remuneradas do Estado brasileiro. Que recebem o benefício há décadas. De boa fé. E precisam dele para fechar as contas no final do mês. Mas, em relação a eles, Gilmar não tem empatia nem compreensão”, afirmou o professor Luis Felipe Miguel.
Posicionamento da Reitoria
Ainda na quarta-feira (24), a Reitoria da UnB informou, em nota, que o cumprimento da decisão do ministro Gilmar Mendes depende ainda de parecer de força executória da Advocacia Geral da União (AGU) e que, por isso, “até o presente momento, o salário referente ao mês de maio dos servidores da UnB manterá a parcela da URP”.
Na quinta-feira (25), a Administração Superior da (UnB) se reuniu com o SINTFUB, a Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), além de representantes da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB). Até o momento, o corte do pagamento da URP não atingiu os docentes, pois a liminar relativa a eles encontra-se em outra ação que ainda não recebeu manifestação final do STF.
“Nessa reunião foi solicitado o apoio da administração, o apoio da comunidade, e a união de todos os servidores, professores, estudantes e administração em prol da manutenção do pagamento dessa ação judicial ganha há mais de 30 anos”, informou o coordenador do SINTFUB.
Em nota, a Reitoria apontou a necessidade de buscar apoio político da bancada parlamentar do Distrito Federal e de realizar reuniões com interlocutores diversos.
“A Administração reforça a necessidade de união de todas e todos, em defesa dessa pauta comum e tão importante para nossa comunidade. Continuaremos juntos atuando em favor da melhoria das condições remuneratórias dos servidores e das servidoras da Universidade, comprometidos com a qualidade e a excelência da oferta do ensino público, da pesquisa e da extensão”, afirma o texto.
Desafios da educação pública superior
Em aula pública realizada na quarta-feira (24) em comemoração aos 45 anos da ADUnB, o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) Ricardo Fonseca afirmou que um dos maiores desafios do ensino superior público é, justamente, a valorização dos técnicos e docentes das universidades.
“Nós precisamos de uma redignificação das vagas, tanto de docentes quanto de servidores, que as Universidades deixaram de receber por conta das últimas pactuações e também por conta dessa política que presidiu o país, pelo menos nos últimos seis anos, de demonizar o serviço público e de não valorizar o crescimento das carreiras vitais ao ensino superior. Além do número de servidores, que eles sejam pagos em relação aquilo que não receberam. É necessário que as carreiras sejam valorizadas, que tenham os seus reajustes. Isso é fundamental” explicou.
Ricardo Fonseca afirmou, ainda, que a tarefa atual é de reconstrução e de olhar para o futuro. Além do financiamento da educação pública superior, que segundo ele é o desafio mais urgente, deve-se lutar pela autonomia universitária, regulação, valorização e adimplemento das carreiras públicas e pela revalorização das Universidades.
“Esse foi um dos grandes traumas do nosso período recente. Nós temos que, também, olhar para o futuro, não só reconstruir o passado. Tentar pensar que tipo de Universidade que o Brasil precisa, como a Universidade pode ser mais eficiente na relação com a sociedade, de que modo que a gente pode cumprir as nossas funções de inclusão de maneira mais competente”, completou.
Com informações do Brasil de fato
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