Segunda etapa da pesquisa da Rede Penssan mostra que o problema da fome vem se agravando com a queda na renda e o aumento do custo de vida...
Segunda etapa da pesquisa da Rede Penssan mostra que o problema da fome vem se agravando com a queda na renda e o aumento do custo de vida
São Paulo – Em apenas um ano, quando o número de brasileiros sem ter o que comer saltou de 19 milhões para 33,1 milhões, foram os lares em que vivem crianças com menos de 10 anos que mais sofreram com o aumento da fome no país. A conclusão é da segunda etapa do Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, divulgado nesta quarta-feira (14), pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
De acordo com a pesquisa, 37,8% dos domicílios onde moram essas crianças enfrentam insegurança alimentar grave ou moderada. Ou seja, passam fome ou têm uma dieta insuficiente. O percentual é maior do que a média nacional, de 30,7%, considerando a soma dos 15,2% dos brasileiros que estão em insegurança alimentar moderada e dos 15,5% em insegurança alimentar grave.
O inquérito é executado em campo pelo Vox Populi e conta com o apoio da Ação da Cidadania, a ActionAid Brasil, a Fundação Friedrich Ebert Brasil, o Ibirapitanga, a Oxfam Brasil e o Sesc. Os resultados são referentes aos dados que foram coletados de novembro de 2021 até abril deste ano. As entrevistas foram realizadas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, nos 26 estados e no Distrito Federal.
Auxílio Brasil sem impacto
Em junho, a primeira fase da pesquisa já havia revelado que o Brasil havia regressado a um patamar equivalente ao da década de 1990 ao atingir mais de 33 milhões de pessoas com fome. Em números absolutos, são 125,2 milhões em insegurança alimentar. Ou ainda, 30% das famílias brasileiras. Agora, com a informação de que a fome é maior nas casas com crianças, os pesquisadores apontam para uma relação direta de quanto maior a quantidade de crianças em uma casa, maior a chance de ter insegurança alimentar.
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O diretor da ONG Ação da Cidadania, uma das integrantes da rede Penssan, Kiko Afonso vê reflexos do novo recorte do Auxílio Brasil no drama, conforme destacou em entrevista ao UOL. Isso porque o programa social, ao substituir o Bolsa Família, desconsiderou o número de crianças em uma casa. Atualmente, uma residência com um adulto recebe o mesmo valor – de R$ 600 por mês – que um lar onde morem mais crianças e a mãe. “O valor do Auxílio Brasil não é suficiente para tirar a família da insegurança. Elas continuam sofrendo, e isso mostra quanto a renda é muito importante”, contesta.
Ele acrescenta que o governo de Jair Bolsonaro (PL) constantemente usa o valor de R$ 600 em campanha para falar que aumentou o benefício. “Mas esquece de falar quem congelou até 2021 esse valor para o governo. Nós temos números assustadores de famílias com crianças, com vários estados com mais de 60% de crianças em casas com insegurança alimentar”, adverte Kiko Afonso.
Dados regionais
O recorte regional da pesquisa mostra que a maior proporção de famílias nessa situação está nas regiões Norte e Nordeste do país. Nas residências com ao menos um morador de até nove anos de idade no Norte, 51,9% passam por insegurança alimentar grave ou moderada. No Nordeste, essa média é de 49,4%. Entre os estados, contudo, a maior população de famintos, em números absolutos, se concentra em São Paulo, onde 6,8 milhões de pessoas passam fome. O Rio de Janeiro é o segundo colocado, com 2,7 milhões de pessoas com fome.
Considerando toda a população em insegurança alimentar, nos diferentes graus de leve, a moderada e grave, São Paulo também lidera com 26 milhões e famintos. O estado é seguido por Minas Gerais, com 11,2 milhões.
A pesquisa também constata que o problema da fome se agravou após com a pandemia de covid-19, com queda na renda das famílias e o aumento do custo de vida. As famílias com renda inferior a meio salário-mínimo por pessoa estão mais sujeitas à insegurança alimentar, ainda segundo o estudo. Outra conclusão é que a renda, além de ser hoje insuficiente para suprir o compra de alimentos, também vem precisando ser utilizada para custear endividamentos com outras necessidades básicas.
Desmonte bolsonarista
O total de famílias endividadas é maior também principalmente no Nordeste (45%). Com destaque também para estados no Norte, como Amazonas (52,6%). O dado é ainda mais alarmante no Distrito Federal, onde 55,6% das famílias lidam com dívidas.
Para os pesquisadores, todo esse contexto de fome tem relação direta com o fim de políticas sociais no governo Bolsonaro, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Criado em 2003 no âmbito do Fome Zero, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o PAA chegou a comprar quase R$ 1 bilhão em alimentos produzidos sem agrotóxicos em pequenos estabelecimentos, beneficiando de um lado indígenas, quilombolas, extrativistas e pescadores artesanais. E de outro, escolas, asilos e outras instituições que atendem pessoas em situação de insegurança alimentar.
“Essas políticas públicas eram a mola mestra da segurança alimentar. Hoje você tem políticas com foco no agronegócio em detrimento do pequeno produtor”, observa o diretor da Ação da Cidadania ao UOL. Com a segunda etapa da pesquisa concluída, os responsáveis estão repassando os dados a todos os governos estaduais. O objetivo é pressionar os entes federativos por políticas públicas de enfrentamento à fome.
Com informações do
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