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Alívio? Cientistas investigam as ligações do cérebro com a dor

  A identificação de mecanismos neurais associados ao desconforto físico abre caminhos para a criação de terapias mais eficazes contra as co...

 


A identificação de mecanismos neurais associados ao desconforto físico abre caminhos para a criação de terapias mais eficazes contra as condições crônicas

Varreduras cerebrais a que os voluntários foram submetidos indicaram que o núcleo accumbens — uma pequena área do cérebro conhecida por seu papel na tomada de decisões — era menor nos pacientes com dor crônica - (crédito: Gerd Altmann/Pixabay )

A dor é uma complicação de saúde com opções de tratamento disponíveis, mas, em muitos casos, as terapias não são suficientes para combatê-la. Para ajudar pacientes nessa condição, pesquisadores têm se dedicado a decifrar os mecanismos cerebrais relacionados a esse incômodo físico. A expectativa é de que detalhes neurais possam abrir portas para o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes e para intervenções alternativas capazes de gerar alívio e qualidade de vida, como a estimulação elétrica.

Uma suspeita médica antiga é a existência de uma associação entre o apetite e a dor, já que, geralmente, pessoas que são acometidas pela condição crônica também lutam contra o excesso de peso. Essa relação não havia sido explorada a fundo, o que motivou pesquisadores dos Estados Unidos a investirem nela. “A dor crônica está associada ao desânimo e à queda de motivação, e essas mudanças comportamentais têm sido relacionadas a alterações no cérebro que também podem explicar o aumento do risco de obesidade em pacientes com dor”, detalha, em comunicado, Paul Geha, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade de Rochester.

Na pesquisa, Geha e colegas selecionaram um grupo de 80 voluntários, em que metade sofria com dores lombares e a outra parte, não (controle). Em uma série de sessões laboratoriais, os participantes receberam duas sobremesas — gelatina e pudim — em diferentes versões de textura, quantidade de açúcar e de gordura. As análises mostraram que nenhum dos participantes experimentou mudanças no comportamento alimentar em relação ao açúcar e à textura, mas aqueles com dores lombares deram preferência aos pratos com mais gordura.

Varreduras cerebrais a que os voluntários foram submetidos indicaram que o núcleo accumbens — uma pequena área do cérebro conhecida por seu papel na tomada de decisões — era menor nos pacientes com dor crônica e tinha o tamanho normal em indivíduos cujo desconforto não tinha essa gravidade. Os cientistas acreditam que o núcleo accumbens está envolvido no processamento de alimentos ricos em gordura, e que mudanças na estrutura dele podem indicar pacientes com um quadro pior de dores crônicas e mais vulneráveis ao ganho de peso.

“É importante notar que essa mudança de escolha das sobremesas oferecidas não mudou a ingestão calórica dos avaliados, apenas a saciedade”, frisa Geha. “Essas descobertas sugerem que o aumento de peso em pacientes com dor crônica pode não estar relacionado à falta de mobilidade, ao esforço físico. Talvez, eles apenas mudem a forma como comem”, sugere.

Estudos anteriores feitos pela mesma equipe têm sinais de que um núcleo accumbens menor pode indicar um maior risco de desenvolvimento de dor crônica. Ainda assim, os pesquisadores acreditam que outras investigações são necessárias para comprovar os dados. “Identificar os meio fisiológicos que ligam a dor crônica a uma mudança no comportamento alimentar de um indivíduo faz com que tenhamos mais um alvo para os medicamentos. Podemos direcionar a ação de fórmulas curativas para determinadas áreas e evitar também outras complicações desencadeadas, como a obesidade”, afirma Geha.

Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), avalia que é necessário considerar a possibilidade de haver outros mecanismos ligados a esse processo. “Existe, sim, a possibilidade de a redução do núcleo accumbens está relacionada a casos mais graves de dores lombares, mas podemos ter influências de outras áreas cerebrais, e nós só vamos poder confirmar isso com uma análise mais ampla. Essa avaliação foi muito bem-feita, mas contou um número pequeno de analisados”, afirma.

O médico espera que a equipe americana dê continuidade à investigação. “A ciência é feita aos poucos, de pequenos tijolos, e é com a junção dessas informações que temos como criar opções terapêuticas mais completas do que as atuais”, frisa. “E esse tema é algo que merece ser estudado, até porque a dor lombar vai atingir praticamente toda a população em algum momento da vida.”

Jovens

Outra complicação com efeitos que podem ser críticos é a fibromialgia juvenil, que provoca dor crônica em praticamente todo o corpo de crianças e adolescentes — principalmente meninas. Considerando que os pacientes também estão em um período crítico do desenvolvimento cerebral, pesquisadores da Espanha resolveram avaliar a estrutura neural de um grupo de 74 adolescentes, sendo que 34 tinham a doença.

Por meio de análise cerebrais, a equipe observou que os participantes com fibromialgia juvenil tinham menos massa cinzenta no córtex cingulado anterior, região do cérebro decisiva para o processamento da dor. “Esse tamanho reduzido nos indica que pode existir também um acionamento excessivo de circuitos cerebrais que processam a dor, ou seja, um tamanho menor responde de forma mais desorganizada, e essa pode ser uma das causas da doença”, relatam os autores do estudo.

Também observou-se que pacientes em estado mais grave (com mais sintomas) têm um aumento de volume nas regiões frontais do cérebro que estão relacionadas à criação de narrativas sobre si mesmo e ao processamento e à regulação emocional. Segundo os cientistas, algumas alterações cerebrais associadas à fibromialgia juvenil observadas por eles são semelhantes às constatadas em estudos com mulheres adultas que também tinham a enfermidade, o que, avaliam, dá ainda mais força às conclusões mais recentes.

“Isso sugere que ambas as síndromes compartilham parte da mesma fisiopatologia”, diz Marina López Solà, uma das autoras do novo trabalho. “Por isso, é importante promover o estudo dessa enfermidade em adolescentes para evitar a transição da fibromialgia juvenil para a vida adulta”, completa. Para o grupo, os dados também reforçam a necessidade de considerar estratégias terapêuticas destinadas a modular a atividade desses circuitos cerebrais.

O neurologista Marcelo Lobo concorda e acredita na possibilidade de, a partir dos dados obtidos, surgirem novas terapias para tratar a fibromialgia, como a estimulação transcraniana magnética. “É uma possibilidade, até porque essa estimulação já mostrou dados positivos em tratamentos de outras doenças, como a depressão. Porém, é necessário avaliar melhor a função das áreas neurais e ver se é possível interferir nelas por meio desse método não invasivo. Caso a atividade neural relacionada a doença seja referente a uma área menor, vai ser difícil acessá-la, partindo, assim, para a implantação de eletrodos por cirurgia, que é algo um pouco mais complicado”, explica.

Aposta em proteínas de arma biológica

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) resolveram estudar o efeito do antraz, uma toxina conhecida por causar sérios problemas de saúde aos seres humanos, para tratar a dor. Primeiro, “desmontaram” a estrutura desse composto usado como arma biológica em laboratório. Depois, chegaram a uma combinação com potencial terapêutico promissor.

O antraz contém três proteínas: fator letal, PA (antígeno protetor) e fator de edema. A combinação das duas últimas não oferece perigo aos humanos. Em uma série de testes com camundongos acometidos por vários modelos de dor crônica, neuropática e inflamatória, houve uma resposta positiva no controle do incômodo físico. Os cientistas brasileiros descobriram que as duas proteínas se uniram aos receptores das células neuronais relacionadas à dor, o que pode explicar os resultados obtidos.

“Além de descobrir que a PA se ligava aos receptores das células neuronais relacionadas à dor, constatamos que, quando a PA e o fator de edema eram associados e injetados na via intratecal (no cérebro) dos camundongos, o composto chegava ao gânglio da raiz dorsal, onde estavam os neurônios relacionados à dor, e isso produzia analgesia”, detalha, em entrevista à Agência Fapesp de notícias, Thiago Mattar Cunha, integrante do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) da USP e coautor do estudo, que também contou com a participação de pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Além da mistura do PA com o fator de edema, os pesquisadores realizaram experimentos com a toxina botulínica (botox) e constataram que a proteína do antraz fazia a “entrega” do botox diretamente nas células neuronais relacionadas à dor. “Isso demonstra a capacidade do PA de transportar uma grande variedade de substâncias, drogas e outras toxinas até os neurônios relacionados à dor, o que, no futuro, pode abrir um leque grande de novos analgésicos, para diferentes tipos de patologia, que atuem diretamente nos neurônios sinalizadores da dor”, aposta Cunha.

A equipe da USP planeja combinar esse pedaço não letal da toxina com outras substâncias e chegar a uma formação que os ajude a obter um efeito específico nos neurônios. “Em tese, ele pode ser usado como um carregador para transportar compostos ativos até essas células neuronais, que costumam ser difíceis de serem alcançadas”, explica o coautor do estudo.

Palavra de especialista

Além da medicina

Hoje, estudamos a dor em um modelo biopsicossocial, em que a analisamos em diversas dimensões: física, emocional, sociocultural e espiritual. Sabemos que tanto fatores ambientais quanto genéticos podem influenciar na percepção da dor pelo cérebro e na forma como reagimos a esse estímulo. Diariamente, descobrimos novos mecanismos capazes de modular a dor pelo corpo, tanto para mais, quanto para menos. Portanto, é extremamente importante que aconteçam mais pesquisas sobre esse tema, feitas por multiprofissionais, para que possamos descobrir outras formas de tratamento mais eficazes e completas. Existem muitas síndromes dolorosas que são desafiadoras para tratarmos. Não as compreendemos com exatidão e sabemos que nosso arsenal terapêutico é muito limitado, principalmente no Brasil. A dor crônica é um problema de saúde pública global, e descobertas como a desse estudo envolvendo o antraz nos contempla com um novo horizonte para o desenvolvimento de medicamentos para dores que respondem mal à maioria dos tratamentos atuais, como a neuralgia pós-herpética e a síndrome de dor complexa regional.

Marcos André Frasson, anestesiologista e especialista no Tratamento de Dor do Hospital Santa Marta, em Brasília.

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