A cúpula menor, voltada para baixo, abriga o Plenário do Senado Federal. A cúpula maior, voltada para cima, abriga o Plenário da Câmara do...
O tema é discutido na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), comandada pela bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) no ano passado
William Castanho e Danielle Brant
Brasília, DF
Deputados federais devem retomar a partir da semana que vem, na volta do recesso de fim de ano, debates sobre a redução da idade para que uma pessoa possa começar a trabalhar formalmente, de 16 para 14 anos. A proposta causa reações na Justiça do Trabalho e no MPT (Ministério Público do Trabalho).
A discussão terá como palco o principal colegiado da Casa. O tema é discutido na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), comandada pela bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) no ano passado.
A expectativa era que ela fosse substituída por Vitor Hugo (PSL-GO). A formalização do União Brasil –fusão de PSL e DEM–, porém, levanta dúvidas sobre a nova presidência, em especial pela perspectiva de migração de bolsonaristas para o PL, partido de Jair Bolsonaro.
Ainda que não seja Vitor Hugo o eleito na CCJ, a tendência é que o nome indicado esteja alinhado com temas considerados liberais e, por isso, não deve colocar entraves para pautar a proposta.
A mudança consta de PEC (proposta de emenda à Constituição) apresentada em 2011. A ideia é atualizar a redação do artigo 7º da Constituição. Ao texto já foram apensadas mais seis propostas.
Em 1988, o constituinte proibiu “qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz”. Em 1998, houve elevação e ficou vedado “qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos”.
A PEC 18, por sua vez, afirma que é proibido “qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz ou sob o regime de tempo parcial, a partir de 14 anos”. O regime parcial é o alvo das críticas.
O relator, deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), aliado de Bolsonaro, já deu parecer favorável à admissibilidade da PEC e das propostas anexadas. No ano passado, houve pedido de vista, mas o prazo terminou. Isso significa que a proposta pode ser pautada e votada no retorno das comissões.
“[A PEC] coloca o Brasil em igualdade com diversos países mais desenvolvidos ou de mesmo estágio de desenvolvimento”, afirmou Martins à reportagem.
“O jovem continua a ter compromisso com o estudo e não podendo exercer atividades insalubres. Entendo que é importante para dar segurança jurídica e evitar que jovens que necessitam trabalhar acabem exercendo atividades à margem da lei, como é comum vermos nos semáforos de grandes cidades”, disse.
“O modelo de menor aprendiz é engessado demais, obrigando os mais jovens a aceitar empregos informais”, disse.
Ana Maria Villa Real Ferreira Ramos, procuradora do trabalho e coordenadora do CoordInfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente), do MPT, faz críticas a discursos alinhados aos de Martins e Kataguiri.
Segundo ela, além de um viés ideológico, interesses econômicos estão por trás da PEC. “Tem uma pauta econômica muito forte, que é exatamente o esvaziamento da aprendizagem profissional, que está no olho do furacão. Hoje os empresários precisam cumprir uma cota de aprendizes. Dizem que onera a empresa.”
A disputa é longa. Desde que foi apresentada, a PEC, em vaivém, já recebeu pareceres contrários e a favor. Ao lado de Martins e Kataguiri, por exemplo, está Paulo Maluf (PP-SP), que admitiu a proposta em 2011 e 2014.
Em 2016, o então deputado Betinho Gomes (PSDB-PE) deu parecer contrário. Segundo ele, o texto fere cláusula pétrea, que não pode ser mudada, e a proteção à criança e ao adolescente.
Gomes afirmou ainda que a proposta vai de encontro ao princípio da proibição de retrocesso social e, em 2019, foi seguido pelo deputado João Roma (Republicanos-BA), hoje ministro da Cidadania de Bolsonaro.
Esse é o ponto mais atacado por Martins no mais recente parecer. Segundo ele, “a doutrina da proibição do retrocesso nos parece um desserviço à causa democrática”.
A ministra Kátia Magalhães Arruda, do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e coordenadora nacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, vê, sim, prejuízos.
“O retrocesso social fica evidente, sobretudo porque as convenções internacionais falam em garantir o ensino básico e aumentar, não diminuir, o período de dedicação integral à educação”, disse Arruda à reportagem.
A evasão escolar preocupa, sobretudo em contexto de Covid. Pesquisa Datafolha, feita para o C6 Bank, mostrou que, em 2020, 8,4% dos estudantes com idade de 6 a 34 anos matriculados antes da pandemia afirmaram que abandonaram a escola. O percentual representa cerca de 4 milhões de alunos.
“É estranho que alguns parlamentares, espero que poucos, estejam gastando mais energia em expor os jovens ao trabalho do que em debater normas eficazes de educação e cultura que os insiram em uma formação técnica e humana de qualidade com o objetivo de garantir direitos básicos”, afirmou Arruda.
Já na oposição, a avaliação é que a PEC precariza a força de trabalho. A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), autora de um voto em separado, disse que há uma tentativa de diminuir salários.
“E em relação à juventude [a ideia] é tirar os adolescentes da escola e colocar em um trabalho de forma superexplorada, precária e praticamente sem direitos trabalhistas”, criticou. “É uma matéria escandalosa.”
No Brasil, números oficiais mostram impactos do trabalho infantil.
Segundo dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, de 2007 a 2020 houve 28.898 acidentes graves com crianças e adolescentes de 5 a 17 anos. Foram 51.418 agravos à saúde.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) afirmou, em voto em separado, que nas PECs “estão afrontadas a proteção e a dignidade asseguradas pela própria Constituição Federal para os adolescentes”.
Há afronta também a normas de direito internacional, de acordo com o ministro Lelio Bentes Corrêa, do TST, ex-integrante da comissão de peritos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e ex-coordenador da comissão hoje comandada por Arruda. O Brasil é signatário da convenção 138 da OIT.
“O que essa convenção diz é que a idade mínima não pode ser inferior à data de conclusão do ensino obrigatório [o ensino médio no Brasil, ou seja, 17 anos] e em qualquer caso não pode ser inferior a 15 anos”, afirmou.
Segundo Corrêa, a convenção permite exceções. No entanto, deve haver o compromisso de elevação progressiva da idade. “No caso da convenção da OIT, não se admite tergiversação. É daqui só para frente.”
Fonte: Jornal de Brasilia
Nenhum comentário